segunda-feira, 11 de abril de 2011

O pequenino grande homem

Ontem na rua observando um senhor de seus 70 e tantos anos - catador de papelão - lembrei-me de um poema que escrevi há muito tempo para outro senhor de 70 e tantos anos - catador de papelão - em São Paulo.

Parece que o tempo não passa, os homens não mudam, o Brasil se repete... a miséria se acentua.

Parece até o mesmo velhinho de 20 e tantos anos atrás.

Acho, que no fundo, eu também sou o mesmo de 20 e tantos anos atrás.

A olhar, impassível, velhinhos catadores de papelão.

E a única coisa que faço é escrever um poema... ou outro.

Apenas para me sentir menos culpado.

E dizer: tá vendo, eu me preocupo?

Será?

O poema:

O grande homem
não nasceu para ser grande
nasceu para ser visto de longe
e ser pequenino como os astros
do universo.

Nasceu,
deste feto,
velho
trabalhou ainda criança a montanha
deu o amarelo ao trigo
o verde ao milho
o tubérculo a terra
deu forma ao mármore
consistência ao aço
construiu com os pés cansados
todos os trilhos
e nunca dormiu em berço esplêndido
nem com Cleópatra
nem com Marilyn
nem com Brigitte
nem com a mulher
de qualquer joalheiro
ou burguês respeitável.

Fortaleceu sim a força
que as sustentava
confeccionou-lhes os brilhantes
as sedas
os linhos
os sais de banho
os braceletes de ouro
e não passou de um cão esfomeado
pelas ruas e casas que construiu.

Nunca bebeu do bom e vermelho vinho
que seus pés amassaram
e suas mãos transportaram
mas ergueu as parreiras celestes
do deus Baco ainda nos tempos antigos
e do deus inglês
do deus francês
do deus americano
do deus russo
isto já nos tempos mais novos
e sempre viveu rodeado
de deuses sorridentes
que lhe castigaram
por um pedaço de pão
deceparam-lhe os testículos
por uma ideia
e esquartejaram-no por querer mais.

Nunca sonhou um sonho grande
nem pode conhecer Roma
Paris
New York
como um turista qualquer
mas sempre conviveu com elas
como um rato empesteado
comendo-lhes o lixo das entranhas
varrendo-lhes as ruas
com seu estômago de ferro.

Nunca foi além do que lhe deram
nunca comeu de manhã o pão macio
e nem sugou suavemente
o leite branco e quente
da vaca que ordenhava.

Olhou o universo e construiu pirâmides
ao som da chibata e de mil ordens
e nunca chegou ao céu.

Construiu o avião
e nunca esteve nele
sentindo como se supõe
a sensação de liberdade.

Depois construiu foguetes
com a força de seus braços
fê-los atômicos
e nunca soube o que era isto
e nunca soube
que na lua meteram uma cerca
proibindo-lhe a entrada
do mesmo modo que fizeram
aqui na parte de baixo.

Foi sempre além do que pensaram
porque com as mãos sangrando
os pés doentes
comeu poeira de estanho
sentiu o urânio na carne
e viu os seus olhos verdes
aos poucos se esbranquiçarem.

Nunca foi ele mesmo
e nunca pensou que seria outro
e nem no medo que impõe.

Foi criança através do tempo
brincou com a vida
de pique
de ciranda
de gente que comia
depois foi à guerra
lutou em vários idiomas
venceu
perdeu
matou
morreu
e mesmo matando ou morrendo
na outra manhã renasceu
porque de força e eterno
é a sua consistência.

Sofreu sentença de morte
foi enforcado no Tibete
fuzilado em quito
queimado vivo em Hong Kong
empalado na Pensilvânia
e nunca sentiu a dor
como uma forma de vingança.

Pensou-a injustiça
pensou-a justiça
e nunca sua cabeça mágica
pode imaginar
que sempre foi uma vítima.

Foi sempre o cão magricelo
que sempre através dos tempos
lambeu os pés de Napoleão
beijou as mãos de Ramsés
engordou o latifúndio e a indústria
como se eles fossem
a sua própria pessoa.

Foi traidor e traiu a si mesmo
foi herói lutando por ele mesmo
matou ou defendeu um amigo
matando e defendendo a si mesmo.

Foi homem
ainda é homem
sempre será homem
o grande e pequenino homem
que um dia vai despertar
de sua letargia histórica
e caminhará ainda como homem
por cima dos edifícios
das pontes
dos milharais
por cima dos fuzis
das bombas
dos tanques
por cima dos porcos
dos bois
dos leões
por cima das indústrias
do latifúndio
do comércio
por cima dos reis
da história
por cima da vida
da morte
e de si mesmo
e esquecerá para sempre
eternamente
os duros tempos
de subserviência.

Para todo o sempre!

O poema é apenas um desafogo de uma consciência pesada.

É apenas uma maneira de eu me desculpar com o mundo marginal que me cerca.

É apenas mais um poema no meio de tantos.

Que ninguém vai ler.

Ou se importar.

E que não serve para nada!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O amor dói

O amor dói, foi o que descobriu Eldemário naquela manhã de junho.

Dói tanto que fazia 3 dias que Eldemário não comia, não bebia... não dormia.

Falta de ar, dor de cabeça, sudorese, estômago embrulhado, boca seca, um tremor - terremoto mesmo - no peito..., uma agonia.

A sala pequena: 3 X 4. 35 km em 3 dias: daqui pra lá, de lá pra cá, daqui pra lá, de lá pra cá, de cá pra ali, dali pra aqui, de cá pra lá...

Sensação de vazio... frio... sensação de desmaio... morte... arrepios.

O mar invadindo, a terra se abrindo, o céu caindo inteirinho na sua cabeça.

Dor! Dor! Dor!

Nem álcool descia!

Nem cigarro!

Sofrimento puro.

Visceral...

Mortal!

Tudo isso só porque Liazinha, sua Liazinha, foi visitar a mãe doente em Manaus e fazia 3 dias que não dava notícias.

Pode???