Naquele sábado Aldecira estava no seu 33º aniversário.
A programação: presença de todos os amigos a partir das 20 horas, uns salgadinhos, umas cervejinhas, uns docinhos e um bolinho, coisas que nunca faltaram nos seus aniversários.
E a garrafa de champanhe espumante que era para os brindes.
Ritual que adotara desde o seu primeiro aniversário em companhia de Gildevandro.
Uma correria daquelas: farinha, frango, ovo, leite, açúcar, leite moça, queijo, camarão, carne, trigo, manteiga, chocolate...
No meio dela Gildevandro avisou que tinha um negócio pendente na firma e teria que trabalhar até a parte da tarde.
E disse, também, que aquele aniversário teria um elemento novo.
Queria que ela o encontrasse no Babylon às 18 horas para fazer um brinde com os seus colegas da firma e para que ele desse - uma surpresa - o seu presente de aniversário.
Coisa que ele prometera aos amigos.
Aldecira deu com os ombros, Gildevandro deu-lhe um beijo na testa, virou as costas e saiu.
Muito trabalho: batedeira, liquidificador, fôrmas, assadeiras, panelas, pratos, fogão, forno, micro-ondas...
Um dia corrido, mas era seu aniversário e fazia tudo com o maior gosto... do jeito que Gildevandro gostava.
O relógio girou... 17 horas.
Terminou de fritar os últimos salgadinhos, tomou um banho correndo, começou a se produzir: primeiro, a calcinha vermelha, tara de Gildevandro; colocou o vestido azul - sem sutiã - o tesão de Gildevandro; uma borrifada de perfume no pescoço, a baba de Gildevandro; o batom vermelho - brilhante - o jantar de Gildevandro; ajeitou o cabelo para o lado, os suspiros de Gildevandro; aquele sapato de salto alto - o que empinava a bunda - o êxtase de Gildevandro.
E se sentiu gostosa... para Gildevandro.
Um último retoque no batom e saiu.
Chamou o táxi e se dirigiu ao Babylon.
No caminho pensou no homem maravilhoso que era Gildevandro: o homem, o macho, o companheiro, o amigo, o amor, o ar, as manhãs, o sol, o tesão do seu tesão, a vida da sua vida!
Sorriu!
Chegou ao Babylon, ainda de fora ouviu a voz de Gildevandro, e percebeu que o álcool já estava 1/2 alto.
Sentiu um arrepio no corpo.
Lembrou que Gildevandro, bêbado, era um tarado maravilhoso.
Entrou.
Gildevandro, bastante alcoolizado, a viu e gritou: Aldecira, Aldecira, ainda bem que você veio!
Hoje você vai conhecer a mulher da minha vida, a mulher que eu amo!
Sentiu-se 1/2 que constrangida, mas também 1/2 que lisonjeada e entendeu que o 'Presente' que ele ia lhe dar era uma declaração de amor em público.
Arrepiou de novo e dirigiu-se, sorridente, em direção a Gildevandro quando uma loira escultural, fatal, federal, animal entrou.
Passou por ela, foi até a mesa, abraçou Gildevandro, deu-lhe um beijo pornográfico na boca... daqueles de deixar qualquer um excitado no meio da multidão.
Gildevandro gritou: esta - Aldecira - é Luzineide, a mulher que eu amo!
E a beijou sem-vergonhosamente, despudoradamente, descaradamente... filho-da-putamente.
Aldecira apoiou-se na mesa, o chão lhe faltou, o coração deu um pulo tão grande que quase saiu pela boca.
Com as pernas bambas, o coração na mão, virou as costas e saiu desesperada, 1/2 que cega, 1/2 que sem respirar, 1/2 que apunhalada no mais profundo de todo o seu amor... e da sua vida.
Ainda ouviu quando Gildevandro repetiu: esta - Aldecira - é Luzineide, a mulher que eu sempre amei e amo!
(...)
A casa cheia de gente, mesa posta: quibes, empadinhas, cochinhas, esfihas, coca, guaraná, cerveja, beijinho, olho de sogra, queijadinha, bolo, a champanhe do brinde... os presentes sobre o sofá.
Atravessou, em silêncio, a sala, abraçou Aldevandro Jr e Gildecira - filhos - e chorou... sem lágrimas.
Chorou - com o vulcão da alma em chamas - um choro fino, ardido, doído; um choro de animal acuado, ferido mortalmente pela farpa dos amores tristes.
E ouviu: Aldecira faz anos, o azar é só dela...
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TõeRoberto