segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mulher ao espelho

Gineilda terminou de passar o batom - vermelho - levantou-se da banqueta e se olhou no espelho... nua.

Ficou ali se admirando.

Passou as mãos nos cabelos.

Tocou o nariz.

As orelhas.

Tocou levemente o queixo à procura de pelos.

Imaginou a medalhinha de prata - Nossa Senhora dos Aflitos - no pescoço.

Desceu a mão.

Tocou os seios - por inteiros - suavemente, começando pela base até as aréolas, os mamilos.

Lá demorou.

Com o indicador fez movimentos circulares... fechou os olhos e sentiu um arrepio, maravilhoso, que começou nos pés e terminou nos cabelos.

Tocou a barriga.

Enfiou o mindinho no umbigo e ficou ali se acariciando.

E seguiu.

A mão correu pelo ventre.

Pensou... parou.

Fechou e abriu a boca e beijou o espelho.

Virou-se 1/2 que de lado, ficou na ponta dos pés e apalpou as nádegas.

Apertou: durinhas!

Acariciou-se calmamente... pausadamente... demoradamente.

Afastou-se do espelho, encheu um copo de rum - sem gelo - e ligou o rádio.

Maysa:

"Meu mundo caiu
e me fez ficar assim..."

Voltou para o espelho.

Engoliu 1/2 copo do rum.

E se ateve à música.

Cantarolou e 1/2 meio que dançou.

"Você conseguiu..."

Parou.

Desceu as mãos até o ventre.

Enfiou os dedos nos pelos púbicos - pretos, fartos... encaracolados.

Massageou-os com os olhos fechados.

Correu vagarosamente a mão direita para o meio das pernas.

Maysa:

"E agora diz que tem pena de mim..."

E com o dedo 1/2 curvo - fundo - pensou desesperadamente em Lízio Eduardo, aquele filho da puta sem-vergonha.

E teve o primeiro orgasmo, o que antecedeu aos outros 143.

Engoliu a outra metade do rum e se encolheu quietinha.

Ficou ali em posição fetal... com a mão no 1/2 das pernas.

Sofrendo!

E Maysa:

"Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar..."

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lembranças

Hoje estive pensando nas pessoas que conheci e que foram caindo pelo caminho durante estes últimos 50 anos.

No andamento da vida, na beleza e da tristeza que ela é, e por não estarmos preparados jamais para o seu fluxo natural e constante.

Para o seu fechamento inevitável, o the end... o final da história.

Minha cabeça se povoou de gente conhecida, gente com quem convivi, gente que sempre me vem à memória em algum momento.

Como hoje, quando acordei ouvindo a música Perfídia que, por algum motivo, mergulhou minha cabeça nas recordações.

Minha Avó Maria, Meu Avô Narciso, Tio João, Tio Zé, Tio João, Tio Luiz, Tia Dila, Tia Maria, Seu Procópio, Anésio, Seu Lúcio, Seu Pedro do Banco, Seu Juca, Dona Ana, Carlinhos Marangoni, Marinho Teixeira, Márcia, Bidoginho, Rogério, D. Jandira, Miltinho, Toninho Beija-Flor, Totonho, Berto Mazeti, Dito Bônis, Bola, Marquinho Rola, Sá Norica, Alcindo, Tião, Meu avô José Domingos, Tio Vlademir, Tia Amélia, Tia Ana, Besita, Meu Pai, Anibal, Fernandão, Dinei, Gatão, Didico, Zé de Alcântara, Glória, Valdir de Alcântara, Dedé, Sofia, Toninho Cândido, Dona Ana Paleta, Cris, Ezequiel, Laurinho, Adriano, Alexandre, Josenildo, Dr. Batalha, Seu Euzébio, Jorge, Valdioni, Lourenço, e muitos outros que eu esqueci.

Histórias e histórias esquecidas.

Um enorme conhecimento desaparecido.

Segredos que nunca serão revelados.

Olhos que nunca mais olharão.

Bocas que jamais falarão.

Ouvidos que jamais ouvirão.

Sonhos que jamais serão sonhados.

Gente que passou... que deixou alguma coisa invisível no ambiente em que viveu.

Que deixou alguma presença no rosto dos filhos, uma árvore plantada, um poema escrito... um momento fantástico... uma mágoa... uma saudade doída... ou não deixou nada.

Gente que se foi nos últimos 50 anos.

Hoje eu pensei neles.

E senti que a minha vida está impregnada de coisas deles... de coisas que aprendi com eles... de lembranças de coisas que vivenciei com eles.

Independente de terem sido parentes, amigos do peito ou pessoas com quem convivi circunstancialmente e que, às vezes, nem gostava muito.

É triste, as pessoas não gostam muito de lembrar nem falar destas coisas.

As pessoas querem esquecer os seus mortos... para deixar de sofrer.

Mas tive necessidade de falar... pra ficar em paz com as memórias dos meus últimos 50 anos.

E ver se conseguia conter o sentimento doído que tinha se apossado de mim.

Melhorou, mas não passou!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dores de amor

É lei: macho lava a honra com sangue!

Miguelinho, desde criança, vivenciou isto, porque o pai, Miguelão - na sua frente - enfiou a faca na garganta da mãe, Cletilda, porque ela chamou-lhe frouxo.

Miguelinho cresceu assim: dividido entre a macheza do pai e a ausência da mãe que, pela voz do pai - em cana - sempre foi uma vaca, uma depravada, uma filha da puta, uma vadia mal-agradecida e desalmada.

Ouvia estas merdas e, ainda por cima, bebia umas cachaças... quase sempre o dia inteiro.

Desocupado, o maior trabalho era vigiar Vandilsa - prima - que ele, na escala dos relacionamentos humanos - de parentes - classificou como 'sua'.

Vandilsa não sabia, mas lhe pertencia.

Ele a vigiava de longe: sabia seus horários, seus hábitos, sabia a cor dos cabelos, do sapato, do lenço, do batom, do vestido e, às vezes, a cor da calcinha.

Sabia a que horas ela levantava, a cor da camisola, o que comia no café da manhã, o que comia no almoço, qual novela, qual música, qual livro, qual vestido, como passava o dia... quantas vezes respirava por minuto.

Se ocupava com isto se alimentado do salário mínino que a avó, Anilda, recebia do INSS.

Se entrincheirava na praça, de manhã, na frente da casa de Vandilsa e fazia, mentalmente, o relatório do dia.

06:45: escola, com a amiga Lísia.
09:30: recreio, uma coxinha no boteco do Zélio.
12:00: chegava em casa, jogava a bolsa no sofá.
12:30: almoço, sempre com suco de laranja.
14:00: saída, para estudar com Lísia.
16:00: retorno para casa, banho.
17:00: televisão, resto de sessão da tarde.
19:00: jantar, sempre com uma saladinha de alface.
20:00: Jornal Nacional.
21:00: novela, sempre na Globo.
22:30: cama, com a camisolinha branca.
05:30: fora da cama, banho.
06:00: café da manhã, sempre uma bolachinha de chocolate.
06:45: escola, com a amiga Lísia.

Aparência: cabelo liso - loiro; um brinco de pérola - pequeno; uma miniblusa verde - indecente; o umbiguinho de fora - lindo; uma sainha jeans - minúscula; uma calcinha vermelha - ínfima (às vezes se via); uma sandalhinha da Xuxa - azul... um jeitinho de sem-vergonha - piranha mesmo - estampado no rosto.

E descia a rua.

Miguelinho acompanhava de longe.

Isto já rolava há 07 anos, sigilo absoluto; nem o maior do maior do maior dos amigos sonhava tal obsessão.

Uma boca de noite, Miguelinho, desta vez sem estar de guarda, vinha descendo a rua e deu de cara com Vandilsa entrando num carro preto - Celta.

O cabelo liso - loiro; o brinco de pérola - pequeno; a miniblusa verde - indecente; o umbiguinho de fora - lindo; a sainha jeans - minúscula; a calcinha vermelha - ínfima; a sandalhinha da Xuxa - azul... uma jeitinho de sem-vergonha - piranha mesmo - estampado no rosto.

Bambeou as pernas, sentiu um troço na cabeça, e saiu correndo atrás do carro.

15 minutos depois, parou.

Vandilsa sumira no escuro da noite.

Tontura, arrepio, pernas moles, angústia, desespero, dor, agonia, infelicidade, tristeza, ansiedade, caralho, porra, filho da puta, cê me paga, cadela, vadia, corno, bandido, sem-vergonha, isto não fica assim, eu mato, arrebento, ninguém mexe com mulher minha, safada, vaca, ordinária, vagabunda... puta!

E não foi pra casa esta noite.

Fincou pé na praça, frente da casa de Vandilsa - a faca na cintura.

Não viu quando o carro preto - Celta - chegou, porque cochilava.

Nem quando ele partiu deixando Vandilsa depois de um longo e demorado amasso no banco de trás do carro.

Acordou, sem saber onde estava, com a janela do quarto de Vandilsa ainda iluminada.

Olhou o relógio: 04:23 da manhã.

Levantou-se - nada mais a fazer - caminhou pela rua e sentiu na pele o que é a dor do ciúme, a dor de corno, a dor de macho desprezado... a dor do amor.

A faca cutucava o estômago, o coração, o fígado, o pâncreas, o baço, os rins... a alma.

Pensou no pai que lavara a honra com muito sangue.

O estômago embrulhou.

Em casa, vomitou até as tripas - como se diz na gíria.

- Vandilsa flutuava dentro da sua cabeça com a agônica sainha jeans - meu Deus!, o angustiante umbiguinho lindo - meu Deus!, a sua cara de vaca, depravada, filha da puta, vadia mal-agradecida... e desalmada!

Sentiu-se frouxo, sem ninguém para chamá-lo disto.

E pela primeira vez ficou pensando se sua mãe não tinha razão em relação ao seu pai.

Deitou-se, enfiou o dedão na boca, colocou-se em posição fetal e choramingou baixinho a ausência da mãe.

E não dormiu!