segunda-feira, 27 de junho de 2011

Depois da minha morte

Depois da minha morte, que uma coisa fique registrada.

Eu sofri em vida.

Sofri os horrores de sentir.

Sentir ao extremo cada momento da minha vida.

E não ter como, não saber como explicitar os meus sentimentos para o mundo.

E tudo ardia.

Uma grande fogueira queimava o meu coração.

E consumia minha alma em segundos.

E eu não conseguia.

Não conseguia colocar pra fora, vomitar mesmo, aquele momento cruel, duro, torturante... sensível.

Eu tentava.

Um lápis, um papel em branco... uma crônica, um poema apático e sem alma.

E vasculhava os vocabulários.

À procura de palavras que pudessem demonstrar o meu sofrer doído.

Nada!

Nenhum dicionário continha as palavras certas para mostrar o meu sentimento para com o mundo.

Um pedreiro sem prumo.

um mecânico sem ferramentas.

Um cirurgião sem bisturi.

Um jogador de futebol sem pernas.

Um político sem a língua.

Um poeta sem os versos.

Um homem sem som.

Um homem amorfo.

Um coração de vulcão.

Uma alma de furacão.

Uma sensibilidade passional.

Apenas um homem...

Que não conseguiu expelir no mundo a sua efervescência lírica.

A sua paixão desenfreada.

O seu sofrimento pleno.

A sua dor de existir.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Exigências dos tempos modernos

Algumas afirmações dos tempos modernos:

Leite de manhã pode reduzir o apetite.

Caminhar 40 minutos por dia é bom pra saúde.

Não comer picanha gordurosa é o canal.

Comer muita verdura é fundamental.

Não fumar é o que se espera do homem moderno.

Fuder... só com camisinha, ou depois do casamento.

Dormir cedo é bom pra pele.

Academia é uma necessidade do homem/mulher atual.

É impossível viver sem internet.

Sexo é bom pro coração.

Vitamina xy retarda a velhice.

Botox te deixa jovem.

Ser vegetariano é o 'tchã'.

Fique esperta com o seu namorado.

Mulher tá na crista da onda.

Os tempos mudaram, amar a gente aprende na banca de revistas.

Pratique esportes, a inteligência agradece.

Bebida alcoólica, só pra doidos.

Seja feliz, aprenda a entender o seu chefe.

Cirurgia plástica, o canal da felicidade da mulher dos tempos atuais.

Homens e carros, uma receita feliz.

O importante é o trabalho.

Homossexualidade: assuma, hoje é chique.

Chocolate, só se for escondido dos amigos.

Apartamento em 30 anos, o sonho se realiza.

Uma viagem para New York, você vai amar!

Um Honda, ai meu Deus!

Caralho!

Vida maneira a dos tempos de hoje.

Tudo pronto!

Tudo certinho!

Os 'home' tão com tudo.

Só depende de mim.

O sucesso dos caras só depende da minha estupidez.

O resto, segundo a Globo, "a gente se vê por aí".

E vamos deixar de ser gente pra ficar 'chatissimamente corretos'.

Que é o próximo passo da educação de massa...

E a destruição da sensibilidade da raça humana.

E aí, você ainda toma uma cervejinha sem remorsos?

Ou consulta algum manual?

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Amor x Ódio

Aposto no ódio, cuspo no amor.

O amor, tá na cara, é doente; o ódio, saudável e promissor.

É questão de lógica: o gigante x o anão.

O amor se esquiva; sobrevive aos trancos&barrancos nos folhetins novelescos.

O ódio é real, está nas ruas; na voz que grita o assalto, na voz de quem pede a esmola, nos olhos de quem exige amor.

O amor se isola e se imola nas conversas dos que já odeiam e pensam amar.

O ódio é correto, cheio de moral.

Não se esconde de nada, ao contrário está sempre disposto a mostrar sua cara, a dar o melhor de si.

O amor se desuniversaliza.

O ódio atravessa as fronteiras, das terras e dos corações.

O amor é lerdo, negocia-se por muito tempo o seu preço.

O ódio é lépido, é de graça, não necessita negociação.

Aposto tudo o que tenho no ódio, até o meu pseudoamor, as minhas esperanças.

o amor não tem futuro.

O ódio é o nosso objetivo.

E não demora o enterro do último ser que amou.

E eu quero estar preparado, com o meu ódio em dia.

Pronto para enfrentar os tempos que virão.

Que não serão bonitos de ver, de viver... conviver.

E muito menos de sentir...

O futuro chumbo negro da alma.

E do coração.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Arroubos juvenis

Em alguma época meu coração se deliciava com a possibilidade de transformar o mundo num lugar melhor.

Parece-me que as injustiças sociais são maiores aos olhos dos adolescentes engajados na luta do bem contra o mal.

Mais velhos parece-me que enxergamos a sociedade com outros olhos.

Talvez com os olhos dos que acreditam que a sociedade - principalmente a brasileira - não tem jeito mesmo.

É má, preconceituosa, racista, egoísta, hipócrita, cínica... filha-da-puta.

Adolescente, então, escrevi um poema de protesto sob a minha ótica de adolescente.

E arrisquei-me, sem conhecer nada de português, a criar palavras que pudessem explicar a minha revolta.

E fiz!

Aí vai o poema Poederno.

Que, naquela época, era a minha paixão.

Desfomeação, poederno, desfomeação
desfomeação antes que seja tarde, desfomeação!

Estamos na rua com nosso poederno
nosso espaço-crise
nossa subsistência
nossa passeética
falsamente entalhado em nossos sorrisos patéticos
porque andamos cronometricamente controlados na rua
feito máquinas
feito marionetes.

Andemos esquizofrenicamente atabalhoados
neuroticamente arrasados
democraticamente ludibriados
esfomeadamente modernizados.

Nossa dieta mental são mil jornais
mil revistas
pressionadamente mentirosos
esteticamente sistematizados nas normas da direção.
Nossos sonhos são previsões estatísticas
graficamente inventadas
matematicamente fabricadas
por computadores humanamente controlados.

Andamos pensando em nos matar
se nós nos matamos
o povo
esta sociedade falida de idéias próprias
aprende a morrer por um ideal secularmente sonhado
e nunca realizado:
a liberdade.

Andamos desgraçadamente esquecidos na rua
esta rua de várias cores
de várias línguas
vários credos
vários sonhos
esta rua nazistamente venerada
socialistamente ideológica
marxistamente utópica
capitalistamente arrasada
por padrões desavergonhadamente falsos
e ultrapassados
que estão graficamente demonstrados e derrotados
na luta do organizar.

Andamos com inflatite nos bolsos desavantajados
andamos com sequestrites políticas
assassinites patológicas
desorganizite governamental
andamos numa rua que é uma dúzia de ovos recém-botados.
Estamos com um caos estampado em nossos passos cansados
pela nossa perturbação massal.
Estamos emocionalmente perdidos nesta entidade destroçada
pelo pensamento tecnológico.

Andamos rastejando nesta rua salarialmente falsa
estruturalmente abalada
deficientemente retratada.
Estamos assistindo à masturbação geral-mental-covarde
de um monte de mentes impotentes
para tirar do corpo desta grande mulher o fogo ardente
que queima aceleradamente
o órgão vital desta vida imensa.

Andamos controlados por pressão remota
andamos russamente abalados
americanamente desacreditados
arabicadamente petrolados
subdesenvolvidamente acorrentados
mundialmente abandonados.

Nossos dólares acabaram-se:
não dão para o ônibus e o bife.
Estamos voltando a pé pra casa:
desgraçadamente esfomeados
revolucionariamente desejosos.

Nossas mulheres sentadas na cama
desgostosamente mal vestidas
fisicamente amareladas
balançam nossos filhos magros e adoentados
esquecidamente adormecidos
friamente desagasalhados
culturalmente semi-analfabetizados
e nos esperam
para mais uma discussão conjugalmente econômica.

Não temos dólares
nem petróleo
nem petrodólares.
Temos vida
somos gente.
Temos fome
frio
sede
anseios.
Temos vontade de viver como homem como mulher.
Temos o universo predestinadamente dividido
e doado
mas eternamente castigado pela força
de falsos deuses
falsos homens.

Andamos pensando em nos matar:
assim os deuses modernos aprendem a compreender
nosso poederno
nossa liberdética
nossa dialética
nossa fome
nosso frio
nossa sede
nossos anseios
pateticamente ludibriados
abandonados
arrasados e jogados nos cofres de aço
de um monte de fanfarrões
ignorantemente cultos
desajustadamente estúpidos
que são os deuses homens que comandam nossas ruas.

Desfomeação, poederno, desfomeação
desfomeação antes que seja tarde, desfomeação!

E pronto!

Quando eu fiz este poema parecia que eu já havia feito a minha parte, cumprido com a minha obrigação social.

Arroubos juvenis!

O buraco é muito mais embaixo.

E de gente bem intencionada o inferno está cheio.

Principalmente de poetas revolucionários.

De revolucionários poetas.

E de adolescentes sonhadores.