segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O guarda-noturno

Concorde comigo.

A maioria das pessoas gosta de ouvir o apito do guarda-noturno:

Pri pri pri pri pri!

O som ecoa pela noite.

As pessoas se sentem seguras, protegidas, muradas pela presença de um homem, ou mulher, que vela com seu apito solitário a propriedade privada... as vidas.

Eu não gosto!

O apito me deprime.

Me lembra que sou prisioneiro do caos.

Um ser trancado dentro dos muros, das grades, das chaves e que necessita - coisa horrível - de outro ser humano para vigiá-lo, protegê-lo a todo instante dizendo:

"Durma tranquilo, senhor, estou aqui do lado de fora de sua prisão e cuidarei com a minha própria vida do seu sono tranquilo, dos seus bens materiais, da sua família... da sua propriedade."

Pergunto:

E quem velará pela segurança, do sono, dos bens materiais, da família e da propriedade do guarda-noturno - se é que ele os tem - este homem que vive e sobrevive de assoprar apitos e mantém o sistema dentro de uma segurança mínima previsível?

Não, não gosto de guardas-noturnos!

Eles, sem saber, me lembram os campos de concentração nazistas que só vi nos filmes.

Não gosto de guardas-noturnos.

Estou ouvindo um agora!

Me sinto solitário!

E totalmente inseguro com o mundo lá fora.

Que o guarda-noturno insiste, com seu apito, em me avisar que existe.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Contando os dias

Pessoas acham que contar os dias é um sinal de cansaço... de rendição.

Não acho!

Contar os dias também é sinal de plenitude.

É um sinal que valorizamos cada segundo da nossa vida.

Cada respirar!

Cada piscar!

Cada falar!

Cada arrepiar!

Contar os dias é estar vivo!

É não deixar pra amanhã o que se pode fazer hoje.

É fazer hoje o que possivelmente não poderemos fazer amanhã.

A vida é imparcial... de veneta.

Amanhece vivo.

Adormece morto.

Mas de qualquer maneira é a vida... e está viva.

E só morre quando paramos de contar os dias.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Os meninos da Rua Santa Bárbara

A todos os meus amigos - vivos e mortos - da rua Santa Bárbara, em Guaranésia, Minas Gerais.

Às vezes, do nada, algo nos atinge no coração.

E rimos, choramos, viajamos pelo tempo e encontramos a nossa criança, a nossa infância perdida lá no fundo da memória.

Ontem, procurando uma coisa, achei outra.

Um poema.

Escrito em 07out1981, data em que passei por essa experiência de algo nos atingir o coração.

Um dia, lá atrás, em que eu me lembrei da minha infância e escrevi o poema.

Hoje, ao encontrá-lo, passei pela mesma sensação daquela data em que foi criado.

E tenho a impressão pelo meu estado - riso, choro, alegria, viagem - que encontrei novamente a minha criança perdida que estava por ai, desamparada.

Acompanhe:

No vai e vem dos navios
de casca de coco e de nozes
no galopar dos cavalos
de cabos de enxada e vassoura
no ronco mortal dos motores
dos carros de tábua e de lata
no brilho forte dos olhos
heróis de ouro e de prata
na luta calma das ruas
o bem derrotando o mal
descobri que a vida era boa
e a morte cruel e fatal.

Descobri que a gente era livre
a cada nascer da manhã
e que o sonho de quem resistia
à febre do mundo em vão
era ter um campo de vidro
com o brilho ao alcance das mãos
era ter um sonho escondido
nos rios do coração.

O forte sol que se abria
na rua, com emoção
marcava a hora da busca
do homem da perna de pau
porém, cuidado era tudo
havia perigo no ar
havia muitos bandidos
que infestavam os quintais
apaches, soldados, piratas
duendes, demônios, marcianos
e monstros de além-mar.

Descobri que o medo existia
e que Deus era o susto maior
descobri que a força era fraca
quando se tinha a razão
descobri que o amor era belo
no gesto de se dar e mão
descobri que meu pai era tolo
por trabalhar sem paixão
descobri que um sonho era pouco
pra quem tinha um coração.

Ainda trago nos olhos
vivência de barro e de chão
batalhas de vida e morte
motivos de festa e emoção
silêncios, ruídos medrosos
no fundo do coração
e o sonho de quem já teve
a vida presa na mão.

Descobri que a vida passa
no dorso de um alazão
que se acabaram os tesouros
piratas de perna de pau
que o medo é coisa boba
que homem não sente não
e que Deus está afogado
na lama de um pantanal
descobri que o amor é duro
pra quem tem um coração
descobri que o tempo é curto
pro bem derrotar o mal
descobri que a rua é a mesma
e eu não mais não.

E ai?

Lembrou-se de alguma coisa?

Pensou um pouquinho na sua criança?

Naquela criança pequenina que dorme profundamente no fundo do seu coração.

Legal, não?

Sempre gosto dessas experiências.

Elas têm um gosto maravilhoso de vida.

E não têm contraindicação.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Procura

No silêncio da noite procuro um rosto.

Um rosto qualquer!

Real ou inventado, não importa!

Um rosto amigo!

Um rosto que sorria, acredite na vida.

E me sussurre não segredos, mas verdades abertas.

Não certezas abstratas, mas realidades concretas.

Eu procuro um rosto.

Todas as noites.

Nas ruas.

Nos meus sonhos.

E ele é uma névoa.

Não se define de fato.

É só um projeto... um vulto... uma possibilidade.

E me deixa agoniado.

Pensando que a vida se vai... cansada!

Eu procuro um rosto.

A quem possa interessar que o desenhe.

Na parede dos meus olhos atentos.