segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Cortiços verticais

Deitado na rede da varanda da minha casa, circunspecto, observo a cidade.

Suas luzes, seus sons, o barulho dos motores e, principalmente, o volume enorme de arranha-céus que se estendem por toda a sua extensão como se fossem monstros modernos... iluminados.

Só de pensar neles me sinto incomodado.

Coloco o pé no chão da minha varanda... bato três vezes, como que querendo afastar tal castigo da minha vida.

Fico observando o acende/apaga das centenas de luzes que compõem cada um deles.

São assustadores!

Neles, no seu miolo, as pessoas...

Brancos, negros, amarelos, gordos, magros, altos, baixos, bonitos, feios, loiros, morenas, empregados, empresários, políticos, bandidos, estudantes, desempregados, viciados, escritores, gays, traficantes, músicos, bancárias, domésticas, médicos, engenheiras, enfermeiras, taxistas, funcionários públicos...

E outros, outros... outros.

Amontoados uns sobre os outros, obrigados a ouvir a música do próximo, a encrenca do casal vizinho, o choro do filho, o peido do sujeito de cima, o cheiro da comida... o latido do cachorro.

Tal qual num cortiço vertical de luxo as pessoas estão aglomeradas.

E incomodam, são incomodadas e são obrigadas, querendo ou não querendo, a seguir leis de convivência criadas por todos os tipos de pessoas, das mais legais às mais ridículas, das mais doidas às mais conservadoras... dos idiotas de carteirinha.

Horrível!!!

Horrível!!!

Horrível!!!

Bato novamente o pé no chão da minha varanda - 3 vezes- e penso...

Penso, talvez, numa oração e começo a dizê-la mentalmente.

E vai fluindo:

Senhor Deus, criador do céu e do inferno, eu confesso: eu sei que o Senhor sabe que não gosto do Corinthians, e acho que o senhor é corintiano. Não vou com a cara do FHC. Não vou negar que já fui petista roxo. Enrabei minha mãe no tanque quando eu era criança. Comi chocolate escondido da minha mulher, Sou ateu. Bati uma punheta pra Sharon Stone. Acho que tem uns anjos na igreja com uma puta cara de gigolô. Já chamei pelo seu santo nome em vão. Já fiz cagada pra caralho. Sou fingindo. Mentiroso. Meu nome é hipocrisia. Sou um grande filho da puta mesmo. Um safado!

Mas apesar de tudo isto e de muito mais... tudo aquilo que o Senhor já sabe, eu Lhe peço:

Nunca jamais em tempo algum permita que eu vá morar num apartamento, seja ele do tamanho que for, no bairro que for, o valor que for, em que cidade for.

Me dê a graça de sempre morar numa casinha, por menor e mais humilde que seja, onde eu possa tocar o meu violãozinho, fazer o meu churrasquinho gostosinho, dar os meus peidinhos sem necessitar reprimi-los, brigar com a minha mulher em sigilo, bater o pé no chão quando tiver vontade... criar os meus poodles em paz.

Me conceda essa graça, Senhor, e eu serei eternamente grato.

Inclusive o Senhor está convidado pra feijoada que eu vou fazer aqui em casa no próximo sábado, dia 5 de março.

Já reservei um vinhozinho do padre para o senhor.

Um abraço!

Obrigadão!

P.S

Se não for pedir muito, Senhor, traga a Marilyn Monroe e o Cartola para animar a festa.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O tédio da juventude

Outro dia li sobre uma pesquisa que fizeram sobre o consumo de drogas em diversas cidades brasileiras.

E descobriram que um dos motivadores do alto consumo de drogas entre os jovens é o tédio: não ter o que fazer.

A juventude sofre de tédio.

O nosso velho, delicioso e conhecido tédio!

Mas como é que pode no meio de tantas coisas pra se fazer - não é o que a televisão fala o dia inteiro? -, a juventude ter tédio?

Vivem no meio da parafernália dos celulares da hora, internet, Lan Houses, tvs enormes, games, DVDs, CDs, shopping centers, motos, carros e sexo à vontade.

Isto não é o que no mundo se transformou?

Então, fiquei pensando.

E pensei em milhões de brasileiros - e em mim - que há 40, 50 anos atrás, com 12, 13, 14, 15, 16, 17 anos não tinham acesso a nada disso.

Nosso entretenimento?

Nadar, pescar, caçar, jogar bola, jogar bete, jogar triângulo, brincar de pique, de esconde-esconde, de mocinho, de bolinha de gude, trocar gibis, bafo, subir em árvores, roubar frutas no quintal do vizinho, brincar de roda, jogos coletivos de rua, fazer carrinhos de rolimã, pular corda, jogar queimada, pular amarelinha, estilingue e, principalmente, ler... e bater punheta.

O que acontece, então, quando eu penso nos tempos de hoje e naqueles tempos?

Eu acho o seguinte:

Naqueles tempos jovens pobres ou ricos tinham praticamente as mesmas atividades de lazer.

Inclusive, na maioria das vezes, brincavam juntos.

A gente não precisava consumir pra ser feliz.

Presentes, naquela época, quando se ganhava, eram só no aniversário ou no natal.

Não se ganhava presentes quase todos os dias, como hoje.

Mas as nossas atividades lúdicas eram tão intensas que a gente não tinha tempo pra ter tédio.

Naqueles tempos dificilmente um jovem se matava (ou matava o outro), o que é muito comum hoje em dia.

Hoje a juventude está mergulhada no meio do inferno tecnológico, saturada de informações, convivendo até o pescoço com as futilidades da internet e da televisão.

A tv e a internet tomaram conta de tudo.

Pouco se lê, não mais se brinca de nada, e a toda hora alguém é infernizado por mais um troço eletrônico que acabou de ser lançado no mercado.

Hoje, quando jovens se juntam, é pra ir pra 'balada', festinha no ap do amigo, ao boteco da praia.

A bebida alcoólica, o cigarro e outras drogas estão sempre presentes neste tipo de ambiente, e o exagero...

É só o que eu acho.

E acho que ter tédio faz parte da vida... e é gostoso.

Agora, quando ele se torna tão frequente a ponto de interferir no comportamento das pessoas, não é mais tédio, é doença e precisa ser tratada.

Com urgência!