segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma ligeira dúvida

Verdade seja dita!

Estou aqui, às 22:29, com a alma na mão.

Se você tem filhos também está, às 22:29, com a alma na mão.

Quantos filhos seus estão na rua nesse momento?

Você sabe onde cada um está?

Estão seguros?

São responsáveis?

Vão chegar inteiros em casa?

Vão chegar vivos em casa?

Um inferno, não é?

Retrato vivo do Brasil.

Pobre de nós, a população!

Sempre na mira das possibilidades.

E com um detalhe: ser bom não é suficiente.

A violência não escolhe perfis.

Simplesmente atua sobre o rico, o médio e o pobre.

Mais sobre o pobre, é obvio!

Mas é inevitável!

Não importa quem somos.

Vamos engolindo nossos medos.

Em silêncio!

Como se nada disso fizesse parte de nossas vidas.

Do nosso dia a dia.

Da nossa agonia.

Ledo engano!

Estou aqui, às 22:35, pensando em meus filhos que estão na rua.

E você?

No que pensa?

Ao longe, gritos, tiros... sirenes.

Viro-me na rede, sinto uma angústia no peito... e estremeço.

Logo eles chegarão, é o que o meu coração pensa.

E implora!

Com uma ligeira dúvida.

E você?

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Saudosismo

Querido diário:

Hoje amanheci 1/2 que saudoso.

Saudoso dos meus tempos de menino lá em Minas Gerais.

Saudoso do meu carrinho de rolimã, do meu estilingue, da minha bola, do time da rua de baixo, dos meus heróis, do poço do Seu Delorenzo, do meu cavalo de cabo de vassoura, dos meus amigos que já se foram, de andar na chuva, de pescar, de apanhar goiaba no pasto, de acompanhar a chegada e a saída do velho Mogiana na estação, dos meus gibis, das minhas bolinhas de gude, da matinê dos domingos, do arrozinho com feijão da minha mãe, do pinicado da viola dos meus tios, dos passarinhos cantando na mangueira... saudoso, enfim, da minha vida daqueles tempos.

Saudoso ao ponto de sentir um nozinho na garganta.

Amanheci pensando nestas coisas que, hoje, parecem não ter mais importância pra ninguém.

Ninguém mais perde tempo com essas besteiras.

E elas ainda me tocam.

Me invadem à noite.

Na madrugada sonhei com minhas viagens interplanetárias.

Com o meu esconderijo no fundo do mar, que continua no mesmo lugar da minha infância.

Bati o maior papo com o Cacique Touro Sentado.

Lutei com o Capitão Gancho, na Terra do Nunca.

Tomei um cafezinho com o Flash Gordon.

Almocei com o Capitão Nemo.

Conversei com Alice, no País das Maravilhas.

Visitei a caixa forte do Tio Patinhas.

Afaguei a Lassie.

Brinquei com os 7 Anões.

Cavalguei no Tigger, o cavalo de Roy Rogers.

Fugi da Bruxa Malvada.

Naveguei com o Barba Roxa.

E acordei iluminado, sem a barba, sem as cicatrizes da vida...

E saudoso!

Saudoso daqueles tempos que não voltam mais.

Das belas histórias que não existem mais.

Daquela criança que eu não sou mais.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A manhã que não amanheceu

Hoje de manhã levei o maior susto.

Acordei, levantei, lavei o rosto, abri a janela do quarto e lá não estava: era de manhã, mas o dia não havia amanhecido.

E o pior: o dia não era ontem, nem anteontem, nem hoje... era dia nenhum.

Era um vácuo, um nada abstrato, um não clarear, um não ter sol, num não ventar, um não ter como sair à rua, pegar o ônibus, ir à praia, ir trabalhar.

Era um não-dia, um não-amanhecer, uma não-existência.

Da janela eu observava sem observar o dia que não havia amanhecido.

Liguei o rádio, sem som; liguei a tv, sem imagem; tomei o café, sem gosto; tomei a água gelada, sem gelo, falei comigo mesmo, sem voz; esmurrei a porta, sem dor; tentei sofrer, sem sofrimento; tentei chorar, sem lágrimas.

Nada, a vida naquela manhã não amanhecida era um completo vazio de vida, um completo não existir de existência, um completo não amanhecer de amanhecimento.

Procurei no vazio sem horizontes um sinal de que me indicasse o sonho, o pesadelo metafórico da negação da continuidade da vida.

Nada!

Nem um minúsculo ponto de esperança na tela inexistente da manhã não amanhecida.

E senti sem sentir que eu também não havia amanhecido.

Que me encontrava no limbo entre um momento qualquer da minha existência e a manhã não acontecida.

Que me encontrava na fronteira entre o ser e o não-ser.

Um ser-não-ser metafísico aprisionado na sua própria negação da vida.

Na sua própria atitude de correr atrás do rabo... eternamente.

Sem a menor possibilidade de seguir em frente.

Na turbulência lírica da ausente manhã não amanhecida.

TõeRoberto

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A respeito de manhãs

E, de manhã, o mar estendia o seu manto verde até a linha do horizonte.

Olhei... mergulhei.

E fiquei pensando:

Mais de 30 anos trabalhando em regime fechado, tipo penitenciária remunerada.

Enquanto a beleza desta manhã acontecia todos os dias.

E eu ausente.

Nem sequer sabia que existiam tantas manhãs.

Porque enquanto trabalhava nunca olhei uma manhã da maneira como olhei a de hoje.

Apenas olhava.

Naquele tempo eu não enxergava.

E fiquei triste.

Os homens estão cada dia mais idiotizados, imbecilizados, vulgarizados...

E se afundam, com avidez ímpar, na guerra pelo dinheiro, pelo poder, pelo nem sei o quê.

E esqueceu que as manhãs acontecem todos os dias.

E eles morrerão sem vê-las.

E se acharão o máximo.

Porque julgam que fazem coisas importantes.

Mas são apenas prisioneiros da prisão invisível chamada rotina.

São prisioneiros no lado inverso da vida.

Onde os tolos fixaram residência.

E se tornaram cegos.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Reminiscências

Éramos grandes naquela madrugada sem nome.
A garoa cantava firme sua canção de molhar.
Uma luz apática, quase morta,
nascia de nossos dois pares de olhos negros
de noite vazia
de noite sem o bocejo luminoso de estrelas
sem despontar de lua.

Éramos dois naquela noite vampiresca
naquela noite desprovida de expectativas.
Foi quando a carruagem passou
trazendo na boleia colorida
o fantasma de Marta
há muito tempo adormecida.

Veio-nos Guaranésia:
o pique, machucados;
o mocinho, esconderijos;
a cabra-cega, os postes.

Somos três marinheiros - agora dois!
Que vieram fazer?
- Combater!
Combate um pouquinho pra eu ver?

E combatíamos naquela noite sombria
sem elos de presente
sem necessidade de futuro
o que até aquela data
não importava pra nada.

O poeta, na noite, só amava a poesia...
amava o poema
e deliciava-se com suas perfurações terrenas
a embrenhar-se pelos corações solitários.

E depois a luz se fez
e nada se fez de nada
e nada se transformou em nada
e tudo continuou na vida
a relembrar nossas lembranças
da Guaranésia antiga
das nossas vidas antigas
naquele tempo esquecidos.

E choramos baixinho
na manhã que se fazia
como dois bichinhos perdidos
no tempo das nossas vidas.
(Cássia/mg)