sábado, 23 de maio de 2009

DOIS MUNDOS

Sou um cara de sorte!
.
Vivi em 2 mundos, 2 mundos completamente diferentes... opostos.
.
O Brasil era outra coisa!
.
Eu, de 01 a 07 anos, não conhecia dinheiro.
.
Meu pai praticava escambo.
.
Tocava sua rocinha de parceria com o dono da terra: o famoso meeiro, que era com se chamava isto naquele tempo... acho que hoje também
.
E da terra tirava o arroz, o milho, o feijão, a mandioca, a batata-doce, o amendoim, o quiabo, o jiló, o pepino, a banana, a melancia, a abóbora, o abacate, a manga, a goiaba, a jabuticaba... a laranja etc etc etc.
.
E criava as suas galinhas, o seu porco, a sua vaquinha, a minha eguinha de nome Garoa - cega de um olho - e tinha o peixe do corregozinho... o inhambu e a codorninha na capoeira.
.
E, em casa, de maneira artesanal e saudável, transformava o milho em farinha, pamonha, curau e quitandas - o maravilhoso pau-a-pique; a mandioca em farinha e polvilho - o polvilho em biscoito; o leite da vaca em queijo e doce; o porco em carne, linguiça, chouriço e gordura - e, com os restos, sabão; as frutas em conservas... tudo se aproveitando, nada do desperdício que vemos hoje.
.
E o escambo: Garoa na estrada, um pau atravessado na garupa - cheio de galinhas, um embornal cheio de ovos, queijos... conservas.
.
Da cidade vinham as únicas coisas industrializadas que precisávamos: o tecido - sargento era o que o meu pai comprava; a botina - feita artesanalmente; a enxada, a foice, o machado, o canivete, o pente, o sal, o querosene - não tínhamos luz elétrica - e, raras vezes, o açúcar, porque tínhamos a rapadura.
.
Duas galinhas por uma botina, dois queijos por um canivete, uma galinha pelo querosene, uma conserva por um punhado de sal.. e assim a vida caminhava e os caipiras, meu pai e sua família, sobreviviam naquele mundo diferente.
.
Eram tempos difíceis, mas tenho orgulho de ter vivido e sobrevivido a isto.
.
Não tenho como criar um parâmetro entre os dias de hoje e aqueles.
.
Naquele tempo as pessoas trabalhavam e produziam o seu próprio alimento, as coisas para as suas necessidades básicas.
.
Hoje ninguém produz mais nada; tudo é consumo, desperdício, exageros de produtos; pessoas morrendo pra ter, conseguir, possuir... sonhar, que é o que fabrica a falsa felicidade dos tempos modernos.
.
As pessoas não sabem fazer mais nada, perderam a capacidade de produzir artesanalmente as coisas da sua sobrevivência.
.
Tudo se resume nas prateleiras dos supermercados com seus preços exorbitantes, seus agrotóxicos, seus hormônios, e tantos outros venenos que nem sabemos que existem.
.
Ainda me lembro, com saudade, das galinhas, dos porcos e da vaquinha.
.
E, como se fosse hoje, do dia de fabricar sabão, farinhas, polvilho, queijo, pamonha, conservas... coisas que faziam do ser humano um ser mais espiritual... mais próximo de Deus.
.
Mas aqui estou!
.
E arremedando Drummond posso dizer: que quando estou na roça penso no elevador, quando estou no elevador penso na roça.
.
E vou me consumindo no meio do mundo... do consumo!
.
E bateu uma saudade danada da minha eguinha, a Garoa!
.
TõeRoberto-post in férias por aí/br

Nenhum comentário: