HOJE QUANDO ANOITECEU

Hoje quando anoiteceu
eu não estava sozinho
eu não estava com medo
nem da vida
nem de olhos
nem de vísceras
e desesperanças
eu não estava com medo.

Eu estava meio quieto
meio tombado, com sono
eu estava meio cego
meio confuso, sem pranto
olhando pela janela
as fogueiras de São João
o brilho daqueles fogos
refletindo nos meus olhos
aquecendo o meu peito
com aquela lembrança vaga
de alguma coisa eu fui
de alguma coisa que eu era
e que agora se perdeu
para sempre na idade
que aos poucos se apossou
das minhas poucas vontades
de ver aquelas fogueiras
flamejando nos terreiros
meu pai riscando a viola
minha mãe mão na quitanda
vizinhos rezando terços
mastros de santo aprumando
e eu com um riso nos lábios
as pernas boas, voando
por sobre aquelas brasas
brilhos de mundo, acalanto
pedaços de gente já mortas
de novo vida queimando
ardendo com o calor
do meu peito de criança
olhando pela janela
o tempo que se apaga
no meu pequeno semblante
que brilha com a pouca luz
que restou da minha infância.

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TõeRoberto-recife/pejunho1985-post in férias por aí/br