quinta-feira, 16 de agosto de 2007

OS CHATOS II

CRÔNICAS&CONTOS: SOBRE NÓS&OS OUTROS

- Ontem, estava vendo um filme e veio-me à cabeça o poema O Sobrevivente, do livro Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1930.

- Assim:

"Impossível compor um poema a essa altura da evolução
da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja -
de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as
necessidades mais simples.

Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de cultura.
Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoraram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo
dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)"
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- Por que me lembrei do poema?

- Alguns dias atrás escrevi sobre os chatos que estão mandando em nossas vidas.

- Pois bem, no filme mencionado, um general, testa-de-ferro dos chatos, diz o seguinte:

- Neste país não se fuma, não se bebe, não se sonha acordado; não se consome drogas, carne vermelha, açúcar; não se faz sexo (a não ser que seja casado), não se dorme tarde, levanta-se cedo e se trabalha para produzir bens de consumo em escala mundial, para atendermos às necessidades alimentares e tecnológicas dos povos e para, com alegria, participarmos do crescimento e do enriquecimento da nossa nação. Fazemos isto porque somos patriotas e demoramos séculos para chegar a tal nível de civilização.

- Eu acho que Drummond conhecia bem os chatos e já sabia, 70 anos atrás, que eles um dia seriam os donos do mundo.

- Olhe a sua volta: há sempre um chato por perto, com uma nova lei embaixo do braço.

(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in João Pessoa/PB

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