sábado, 15 de dezembro de 2007

A INVASÃO

POESIA: SOBRE HOMENS&PÁSSAROS

Por mais que eu lute o outro me invade.
O outro é duro, eu sou duro, é o combate.
O outro avança, eu me defendo, eu me debato.

Ela usa tudo: armas duras, penetrantes.
Usa meus sonhos, meus fracassos, meus espaços.
Usa meu tempo, meus desejos, meu cansaço.

O outro é duro, eu sou duro, a luta é sorte.
A luta é dura, a luta é louca, a luta é morte.

Vejo perigo: eu sou duro, eu sou forte.
Mas o outro avança com resignação e suporte.

Eu recuo: há o perigo de haver cortes.
Trago comigo coisas frágeis, que eu gosto.

Pôr em perigo o que é frágil pra ser forte
corre-se o risco de perder-se o que importa
de estar-se vivo por perdão, misericórdia.

Fujo da luta: vou arrastando e defendendo o que eu gosto.
O que eu sinto, o que eu sou, o que importa.
Vou com minhas flores, minhas fontes, os meus pássaros.

O outro é duro, eu sou duro, mas não importa.
Devo fugir e defender o que eu gosto.
O outro avança, eu recuo, o tempo corre.

Vou recuando e vou sentido às duras penas
que defender o que é frágil, os meus pertences
é uma lei que eu mesmo fiz com elementos
que não são frases, nem palavras, nem poemas.
São meus pedaços, meus resquícios, minha poeira.
São os anseios do que é vivo, do que pensa.

Recuo e sinto em meu corpo a violência.
Sou como Praga, suas ruas, sua gente.
Sou como a carne e a memória de Allende.
Como a mim mesmo nos dias mais decadentes.

Sinto com fúria, com dor, com insistência
que o tempo encurta, só um segundo resta.

E nada me salva desta!

A não ser o que o mundo acorde
e volte a ser sol e festa
e que pela pequena fresta
de luz que me forma a testa
venha à tona de minh'alma a tela
das coisas que vivi, as coisas belas
e o esboço do que fui, pela janela
entre por mim nessa batalha
e sem seqüelas
me salve do invasor que me persegue
me acua, me ameaça, me esmigalha
com a perseverança e sagacidade de uma canalha.

Mas tudo é inútil:
no mundo não há sol, nem festas
e as coisas que eu fui já não existem
estão há muito tempo mortas
enterradas pelos campos da memória
esquecidas no escuro das idades
arquivadas nos museus da minha história.

O outro avança, eu recuo, passos lentos.
O outro avança muito firme, consciente
e com seu olhar muito duro, persistente
quer me prender no labirinto do seu tempo
e me encurrala no abismo de mim mesmo.

O outro é duro, eu sou duro, estou aflito.
Sinto perder meu poder, meu equilíbrio.
Há coisas frágeis que me importam em perigo.

Sinto escorrer lento, vago, destruído

no espaço escuro e infinito do abismo
o perfume calmo, penetrante e sublime
de uma flor que escapou dos meus sentidos.
Junto com ela se atira em desatino
por sobre as pedras incrustadas no infinito
toda uma fonte azulada, muito linda
que se atirou para fugir do mau destino.

O outro ri com meu riso, meu cinismo.
As minhas coisas, todas frágeis, vão caindo
uma a uma no infinito do abismo
que sou eu mesmo, minha vida, meus instintos.

E me entristece não ter forças nos sentidos

para segurar pelos meus bosques de menino
o meu pássaro mais querido
que cai num eco na amplitude do abismo
e se debate sem uma chance, em desatino
pra não ir junto com seu canto pro infinito.

O outro avança: eu recuo, estou caindo.
Atrás de mim, enorme boca, o abismo.
Um pouco do que sou ganha o infinito
sem protesto, sem vida, sem um grito.

O outro é duro, me empurra pro abismo.
O meu abismo, o meu eu, meu infinito.

O outro avança: eu recuo, estou caindo.
Mas antes que eu perca os meus sentidos
e já no espaço a caminho do abismo
sinto em meu eu que não sou eu, é o infinito
um arrepio com o que vejo me assumindo:
à minha frente, muito sério e muito limpo
está o outro que sou eu, o meu destino.


(Fonte: Poesia - Autoria de TõeRoberto)
Post in João Pessoa/PB

Nenhum comentário: