quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

RÉU CONFESSO

- Confesso, sou réu confesso!

- Sou 1/2 chato; 1/2 não, inteiro; não passo ao crivo da minha companheira... dos meus filhos.

- Às vezes costumo pensar naquele famoso pensamento de Machado de Assis - no livro Memórias Póstumas de Brás Cubas - com relação a ter filhos... e, sinceramente, houve época em que eu concordava em gênero, número e grau com ele.

- Aquele: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria."

- Tenho 05 filhos e - confesso - não tinha, até agora, prestado atenção nesta loucura lúdica que é ter 01 filho... quanto mais 05!

- Mas, hoje, eu parei para pensar... refletir... fazer mea-culpa a respeito disto.

- E réu confesso, confesso: fiquei 1/2 que atrapalhado, 1/2 que sem saber onde colocar as mãos, onde enfiar a minha cara.

- O que tocou meu coração adormecido... esquecido?

- Um tico de gente!

- Deitada no berço, na 1/2 luz, em silêncio, com as pernas pra cima, uma chupeta cor-de-rosa na boca, brincando com a fralda - Nayanna, minha neta!

- Cheguei pé ante pé, olhei e pensei: puta que o pariu, como jogar uma criaturinha tão indefesa, num mundo tão armado... tão!... tão!...

- Do nada, um sorriso, as 02 mãozinhas levantadas na minha direção... um gritinho!

- Do nada, um nó na garganta... a leveza absoluta no lugar do gelo e a humana conclusão: viver, apesar do que dizem da vida, é olhar nos olhos de Nayanna e enxergar a pureza absoluta, é vislumbrar aquela certeza que a raça humana tem futuro... e que nem tudo está perdido apesar da insustentável leveza do tempo em que vivemos.

- Ai baixei a cabeça e saí 1/2 que envergonhado por ter sido, até agora, tão realista e miseravelmente agarrado à certeza de que o ser humano não presta... que o ser humano é um fardo nas delicadas questões da sobrevivência coletiva.

- E da minha cabeça saiu Machado de Assis e entrou Vinicius de Moraes com o seu "Poema Enjoadinho".

- Assim:

"Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!"

- E fiquei, na varanda da casa, 1/2 que em estado de graça... em estado de profunda admiração.

- E quero jogar no rio do esquecimento todos os pesos da minha alma, e quero cobrir de plumas transparentes os meus braços amargos, e quero deixá-los doces, leves e aconchegantes para o meu grande abraço de conciliação com a humanidade... nos braços indulgentes da menina Nayanna.
.
TõeRoberto-03:26-post in jampa/pb

Nenhum comentário: