quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A FARDA

CRÔNICAS&CONTOS: SOBRE NÓS&OS OUTROS

- 1964 é um ano marcante para a minha geração.

- Uma década em que mudamos do mel para o fel, da paz para a guerra, do sonho para o pesadelo, da luz para as trevas... trevas de mais de 20 anos.

- Éramos crianças e o peso do coturno chegou com força total, pisando nossas cabeças inocentes... castrando intelectualmente uma geração inteira.

- A rotina das pessoas mudou. A música mudou. O carnaval mudou. Tudo era tão claro, de repente ficou tudo escuro.

- Tudo era um medroso suspense, como num filme de Hitchcock. Tínhamos medo de abrir a porta, de olhar embaixo da cama, de caminhar na rua, fosse noite ou dia.

- Conversar com as pessoas não devíamos - garçons, motoristas de táxis, barbeiros: qualquer um podia ser o outro, aquele que denunciava por proteção, dinheiro ou ideologia.

- Na escola proibiu-se autores, mudou-se o conteúdo das matérias, professores foram presos e a questão disciplinar passou a ser tratada com mão-de-ferro.

- Eu, menino, me lembro de duas coisas que mudou drasticamente na minha escola: as filas e a farda... antes, uniforme.

- As filas passaram a ser obrigatórias em tudo. Antes de entrar para a sala. Para voltar do recreio. Para sair da escola. Para.... A escola passou ser uma extensão da caserna.

- A farda foi pior: éramos crianças e usávamos uniformes simples: calça azul-marinho - curta - camisa branca, meias e sapatos. A nova ordem impôs: calca bege - comprida, com cinta - camisa bege de mangas compridas - com abotoaduras e gravata preta; meias pretas e sapatos pretos As meninas também mudaram as cores para bege, meias pretas, sapatos pretos e saias bem mais longas do que as do uniforme anterior.

- Nos tornamos verdadeiros soldadinhos.

- Uma geração no divã da história. Vivemos ou sobrevivemos às mazelas da repressão?

- Não sei, mas tenho certeza que, hoje, seria um cidadão bem melhor do que sou, tivesse vivido uma vida normal, sem castração, sem a humilhação de ter sido proibido de ler, assistir filmes, ouvir música e de, sobretudo, ter crescido em paz, longe da longa trajetória da violência que se instalou no país.

- Vivi muito tempo no escuro e a claridade, hoje, me dói os olhos.

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- Que daqui para a frente, o bom senso nos livre desse tipo de mal... amém!

(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in João Pessoa/PB

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