domingo, 27 de janeiro de 2008

A REPÚBLICA

A REPÚBLICA

- Palco: São Paulo.
- Local: Rua Afrodízio Vidigal: Vila Maria Alta
- Anos: 73/75.
- Personagens: Israel, Eliseu, Jesus, Stela, Arnaud, Messias, Vera... e eu.

- Éramos os meninos da Vidigal.

- Os irmãos Israel/Eliseu e Jesus/Stela, de Tupi Paulista; Vera também; Arnaud e Messias, de Boa Esperança; eu, de Guaranésia.

- Grupo heterogêneo: idéias, valores, educação, condições financeiras, aptidões, sonhos diferentes.

- Uma coisa em comum: dividir um espaço, se respeitar... e sobreviver.

- Louça, roupa, casa, pia sujas. Luz cortada. Água desligada. Música alta. Luz acesa. Coisas jogadas. Cueca pelo chão. Sutiã na mesa da cozinha, Cadê a minha camisa? O meu livro? A minha calcinha? A minha escova de dentes. Barracos! Barracos! Barracos! Pau! Pau! Pau! Porra! Porra! Porra!

- Festas, música, poesia, piadas, brincadeiras, histórias, meninas. Risos! Risos! Risos! Legal! Legal! Legal! Oba! Oba! Oba!

- Fome! Fome! Fome!

- Cardápios inusitados:
- Salmoura quente para acalmar o dragão da fome e dormir.
- Farinha com água e sal.
- Pão amanhecido molhado na água.
- Tubaína com broa de fubá para inchar o estômago.
- Chuchu cozido sem sal - minha pressão é legal até hoje.
- Arroz com arroz acompanhado de arroz.
- Bolacha de maizena com bolacha de água e sal.
- Pão com ovo. Pão com ovo. Pão com ovo.
- Pão com ovo, só pra variar.
- Iguarias quase sempre acompanhadas pelo violão de Messias ou poesias minhas e de Israel.

- Mas milagres acontecem: nesses anos o Miojo foi inventado. O Miojo revolucionou a vida nas repúblicas. A qualidade de vida melhorou muito. Até os miseráveis das repúblicas pobres - nosso caso - passaram a ter comida. Fome nunca mais!

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- As mulheres na República não eram muitas, mas transitavam soltas. Arnaud era o garanhão da Vidigal.

- Comia - numa época - Railda, a mulher de um cobrador de ônibus.

- República movimentada, sempre uma chave disponível no vitrô quebrado da cozinha.

- Uma noite: acordei, quarto escuro, só eu e Arnaud na República - uma voz:

- Porra, cara! tu tá comendo a minha mulher!

- Gelei.

- Arnaud: Eeeuuu?
- È cara!, apertei e ela me contou. Até onde ficava a chave.
- Arnaud: Eeeuuu!

- Puxei o cobertor na cabeça e pensei: esse cara não vai deixar testemunhas.

- Arnaud: Mas... mas... mas... sa-be... na-na-nada a ver! É só...
- Olha só vim aqui dar um aviso: fica longe da Railda!
- Escutei os passos no assoalho: o sujeito foi embora.

- Graças a Deus o sujeito era corno... e manso, muito manso!!!

- No escuro gritei com Arnaud: seu filho-da-puta, cê quer matar a gente, seu corno!

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- Meses depois, Arnaud encostou uma caminhonete na porta da República e levou tudo que ele julgava ser dele.
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- Jesus, ao chegar em casa, subiu aos céus, pediu a ajuda do Pai, gritou, esperneou e se conformou.

- Não sei por onde andam!- Mas onde estiverem: tô com uma puta saudade de todos vocês.
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- Afinal de contas, vivemos, convivemos e estudamos na mesma Universidade Da Vida: A República da Vidigal.

(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
Post in João Pessoa/PB

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