quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O GANHAR DINHEIRO

CRÔNICAS&CONTOS: SUA ALMA, SUA PALMA

- Não sou intelectual, nem gosto de miséria.

- Mas digo: ver grande parte do povo nordestino sobreviver é uma lição de vida inesquecível,

- O eterno levantar cedo; o se postar no mesmo ponto todos os dias; o tirar leite da onça; o arrancar dinheiro da pedra; o tudo R$ 1,00; o sorriso farto, muitas vezes sem dentes; a alegria ingênua; o tirar com as mãos o alimento do asfalto quente.

- O ter que viver qualquer custo - comendo ou não comendo; o enfrentar, nas ruas, a guerra da sobrevivência.

- E vender de tudo: do vendável ao invendável, do desejável ao indesejável.

- CD, passarinha, chiclete, bala, relógio, cigarro, pastel, caldo de cana, cafezinho, pássaros, macaxeira, jerimum, maxixe, jaca, cajá, caju, goiaba, abacaxi, sapoti, pitomba, pimenta, mangaba, manga, pinha, peixe, camarão, caranguejo, marisco, chapéu, feijão verde, farinha, salada de frutas, cachorro-quente, sorvete, frango, vassoura, pano de prato, amendoim, queijo de coalho, ostra, cocada, coco, dindim, churrasquinho, cerveja, refrigerante, rede, capa de celular, milho, pamonha, mungunzá, quadro de santo, passeio de barco, almoço de restaurante, foto, dedetização, jardinagem, pintura, encanamento, eletricidade, telhado, afiar facas, afiar tesouras, afiar alicates de unha, costurar malas, consertar sapatos, podar árvores, artesanato, ingressos de shows, passeio de buggy, aluguel de prancha, aluguel de guarda-sol, aluguel de piscina de plástico, aluguel de caiaque, guardar lugar em fila de banco, guardar lugar em fila do INSS, bolo, cigarro, isqueiro e mais 855.000 mil produtos.

- Conviver com isto é dar um mergulho fundo na nossa difícil - porém, abastada vida ; na nossa corrida - porém, segura vida.

- É estar diante de um monte de seres humanos que caminham diariamente no fio da navalha - com os pés descalços - com a alma suspensa pelo não ter certeza de nada.

- Não adianta a gente entender o que se passa: questões políticas, filho-da-putice do governo, insensibilidade dos que têm; é necessário sentir o que se vê e, quando a gente sente, o sentimento extrapola as questões palpáveis e nos eleva àquele ponto onde inegavelmente se localiza a sociedade moderna: na encruzilhada entre o construir um muro altíssimo e - de um lado, colocar os privilegiados e - do outro, eles - os que vivem com as mãos nas tetas da onça, no miolo duro das pedras - os que sobrevivem completamente à margem daquilo que nosso mais profundo entendimento pode entender.

- Ou assistir de camarote a degradação cada vez mais rápida da sociedade em questão.

- E são um povo alegre, prestativos - verdadeiros artistas na arte de transformar miséria em decência, em alegria - em dignidade humana.

- Procure sentir, não entender; talvez você descubra em você o presidente dos egoístas da raça humana.

- E se choque, e aprenda... só um pouquinho que a incoerência do ser humano, a sua capacidade de ser mau, o tira do pedestal onde está o animal civilizado e o coloca na parte mais rasa da relação entre as coisas vivas.

- Mas os nordestinos sobrevivem.

- Aos trancos e barrancos vão sobrevivendo, navegando no sentido das marés.

- "Olha o amindoim torrado e conzinhado!".
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(Fonte: Texto - Autoria de TõeRoberto)
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