domingo, 29 de junho de 2008

MEU CANTO, AMADA...

POESIA: O INVENTÁRIO DAS ROTAS

Meu canto, amada,

passeia pela cidade sem alma
e descansa no porto.

A fome, embrutecida mulher,
discursa calma na periferia do porto
e espalha com pressa
sua doce mentira.

O trigo não alimenta,
ele abastece de ouro o estômago dos navios
e derrama o suor salgado do homem
no oceano de sal.

Ao longe, amada,
os guindastes transportam
o sofrimento humano
em pesadas cargas.

Os navios, criaturas pré-históricas,
chegam e partem
trazendo e levando em cada saco,
em cada container,
um pedaço de alma,
um pedaço de corpo.

E ninguém se importa.

Ninguém percebe o sofrimento duro
que os navios transportam.

Os homens procuram comida.
(uns nos bares, outros nos lixos)
e comem suas feridas estampadas no bife
e no pão amanhecido.

Estou apreensivo, amada,
amargurado e pensativo,
sentado no cais infinito.

Não penso em navios,
nem em trigo
nem em feridas.

Penso na alma dos homens,
suas vidas tristes,
seus olhos sem ritmo,
seus corpos anfíbios.

Penso neles, amada,
e no espelho das águas,
à beira do cais,
sou um deles
a vigiar navios.

Ah, amada,
como sou patético
a contar navios e navios
de sofrimento humano,
como quem conta estrelas.

E o que importa isso?
Nada os detém.
Nada os intercepta.

Longe, agora pequeninos,
eles avançam nas águas
carregados de dores
e sem qualquer importância
caem um a um
no abismo azul e profundo
do horizonte sem fim.
(Santos/Sp-29Junho1996/13:10hs/Sábado)


(Fonte: Poema - Autoria de TõeRoberto)
Post in Jampa/PB

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